sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Entre o ócio e o negócio



É chegado o fim do ano letivo. Depois de metade de uma década venho me questionando acerca da minha continuidade neste ramo de entretenimento, arte, padecimento, menos educação...Conversando com alguns colegas de trabalho percebi que quanto maior o tempo de docência, maiores são as insatisfações, paranoias e desabafos. Chegando ao fim do ano, acaba o desespero de sala de aula, no entanto, começa um pior: saber se continuamos na mesma instituição, quantas turmas se formarão, qual instituição substituir por outra e se haverá gestores ainda interessados no seu perfil. Ao contrário de outras áreas, quanto mais velho se fica em sala de aula, menos atrativo se é para o mercado...
Nunca quis viver esta tensão profissional (acho que ninguém). No meu caso específico, nunca achei que o trabalho dignifica o homem – antes, penso que ele enriquece o patrão e arranca sua saúde a troco de uma justificação social e espiritual, construída por uma cultura burguesa e cristã. No entanto, tenho família(s) para sustentar e não herdei nenhuma herança que não fora o aprendizado acerca do que não se deve fazer financeiramente. Por isso, tenho que trabalhar e se for para fazer algo que sugará a minha alma, que seja pelo menos com um pouco de diversão em alguns momentos...
Por diversas vezes, me divirto muito em sala de aula. Conheço aluno(a)s bacanas e que merecem transcender a mera relação profissional. Meus colegas de trabalho, por viverem dramas semelhantes, acabam se tornando confidentes inestimáveis. Sempre que sou visto em lugares públicos, há um carinho legal por parte dos alunos, um respeito por parte de muitos pais. Felizmente, sinto que sou até bem sucedido no que faço.  Não me imagino fazendo outra coisa a não ser lecionar e pesquisar. Sinto que estou cada vez melhor em sala de aula. Meu quadro mais organizado, minha dicção mais teatralizada, a ironia mais afiada porém direcionada, o sarcasmo mais comedido e o domínio de conteúdo mais profundo e objetivo. Sinto também que consegui me organizar mais burocraticamente – o que em muitas instituições valem mais do que formação, talento e carisma. Minha relação com os alunos transcendeu a admiração pelo meu lifestyle e vem se constituindo pelo que obrigatoriamente tenho que oferta-los: cuidado, atenção, cordialidade e compromisso com sua formação pragmática.
A rigor, não teria muito que reclamar. Leciono em excelentes instituições de ensino e na maioria delas tenho um ótimo relacionamento com os alunos, com a coordenadação, a direção e até os pais. A cada ano, melhor me coloco no mercado e me desvencilho de comportamentos, crenças e valores que por mais nobres que possam parecer não me levam a uma qualidade de vida melhor, nem faz com que ninguém se beneficie diretamente com isto. Então, a experiência traz alívio...
Uma das últimas crenças que rompi foi em relação a acreditar que o que move as instituições de ensino no Brasil seja a educação, a formação crítica e multidisciplinar, o respeito pelo profissional. No Brasil, professores são tratados pelas instituições como freelancers na hora do pagamento, mas como santo milagreiro na hora dos problemas. Possuir formação acadêmica pode ser válido se o objetivo é se concursar numa instituição federal, mas que nada vale para nem sequer conseguir um aumento de salário na educação básica. Nos cursinhos pré-vestibulares, penso que se não houvesse CLT, estaríamos a esta hora pagando para termos a honra de dar aulas para turmas com cerca de 100 alunos por sala. Se há um feriado, recesso, todos recebem e os alunos continuam pagando a mensalidade, mas o professor, o freelancer, não pode receber, porque não foi “dada a aula”. No mesmo circo, os alunos estão cada vez menos interessados no que temos a dizer. A impressão é que há uma relação comercial estabelecida: os proprietários querem vender um produto – a aprovação, os alunos querem compra-la a todo custo – ilicitamente; e nós, professores, somos os que dificultam a transação comercial por simplesmente fazermos o nosso trabalho. Educação no Brasil é mercadoria made in china, com embalagem bonita e sem garantias. Por um tempo, acreditei que poderia desenvolver a capacidade critica dos alunos, descortinar um universo de teorias e visões de mundo. No entanto, com pouco tempo percebi que isso não se cobra no vestibular, portanto, não é mercadoria relevante. Ainda, corre-se o risco de se ofender a “crença” de um aluno e o seu “pa(i)trocinador” não quer ver o desempenho de seu atleta ser desgastado com ginástica mental desnecessária –  no entanto,  paradoxalmente, espera –se que “construamos” valores e repensemos  a cultura. O que muitos não consideram é que aquele que mais é afetado em seus valores é justamente aquele que é posto em réu num julgamento pautado pela toga da conveniência.
Estou consciente do meu papel profissional. Não tenho que dar aula... Tenho que dar show! Não tenho que construir e transmitir uma ideia... Tenho que formatar uma síntese de fácil assimilação e reprodução! Sem problemas depois que se compreende a engrenagem. O triste é ter desvio de função na área e a ainda receber pouco por isso. Não me entendam mal. Acho que como seres humanos, não podemos nos restringir à uma avaliação objetiva ou trato meramente profissional com aqueles que nos chegam. No entanto, não quero, não posso e não devo ser pai, padre, psicólogo ou amante de pais, alunos e responsáveis. Não sou mal remunerado perante as minhas necessidades, mas acho que perante o que se espera que façamos, deveríamos ter três férias ao ano, duplo descanso remunerado e indenização por insalubridade, além de seguro contra Burnout. Talvez assim, comece a ser interessante se tornar professor nos dias de hoje no Brasil.

Att.
Diego A.

2 comentários:

  1. Você é o único professor que conseguiu fazer o Lucas Tomazet, gostar de prestar atenção na aula. Sinceramente isso é quase um milagre! =)

    Gosto dos seus textos.

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