segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Complexo de Aquiles Pt.2

Sempre gostei do mito de Aquiles... Muito mais pelo seu aspecto psicológico e filosófico, do que literário. Vejo nele um arquétipo que representa a condição existencial da maioria de nós sobre a terra: o temor pela finitude, o pavor frente à possibilidade de se ter uma vida restrita ao comum , e a angústia de ter o seu destino condicionado ao arbítrio de alguém chamado "acaso".  Aquiles representa todos  aqueles que cientes de sua humanidade e da distância que nos separa da infinitude dos deuses, olha para si e encontra as condições necessárias para atingir um outro tipo de imortalidade, mesmo que a custo do sofrimento e mediante o temor do fracasso....
Segundo a mitologia grega, Aquiles teria escolhido o caminho da honra e da glória, mas também da existência curta e breve. Temia uma vida apagada e não relevante, doravante, tranquila e longeva. Sua experiência afirmava a assertiva de que “os eleitos dos deuses morrem jovens”.... Doravante tal  "eleição", Aquiles se mostrava indigesto quando à veneração que os mortais - seus iguais - tinham perante os deuses. Sua obsessão por atingir a imortalidade não era para se igualar a um deus, mas para fazer de si algo distinto deste, porém mais nobre. Tal distinção valorativa se referia a ter, pelos atos bélicos, ou pelas palavras de efeito, uma ação que permitisse com que seu nome fosse gravado na memória do porvir. Uma vida plena de novidades e anseios, de esperanças e de consolações nos atos gloriosos, ao contrário de uma vida tediosa, porém, ilimitada dos deuses – que por sua triste sorte, indefinidariam o seu tédio na poeira do tempo, invejando os mortais por fazerem de sua vida uma nova constância...
Numa perspectiva filosoficamente existencialista, a tragédia de Aquiles nos mostra o nosso temor frente à finitude, mas ao mesmo tempo o nosso destemor com o adiante, uma vez que só nos resta  construir o próximo segundo e não mais aguardar tétricamente pelos próximos minutos... Não se trata de um fatalismo que anula a nossa ação ao romper com a esperança de uma imortalidade. Ao contrário, Aquiles vê na imortalidade física uma pré-condição para o tédio, ao se passar os usufrutos efêmeros. Um deus sempre saciado, imperecível, que jamais padecerá da fome, do frio ou da morte por uma espada, jamais saberá qual o frescor da novidade e do anseio, uma vez que isso não habita em seu espírito. Ao contrário, um homem ciente de seu fim, sem esperanças concretas da realidade de um post-mortem, faz do seu instante algo único. Luta, levanta, chora, ri, confabula, ama aos outros e apaixona-se, pouco se ama e muito se estima... Nesse afã, faz de cada dia uma aurora de novidade e cada anoitecer um crepúsculo de realizações. Distantes disto, aos deuses só restam a lamúria dos mortais e a honra fingida por parte daqueles que os temem, mas não os amam verdadeiramente. É nesse sentido que Aquiles afirma que “os deuses têm inveja de nós”. Somente os homens podem ser arautos de seu destino e imprimir na posteridade a marca de seus feitos e palavras, que os libertam do esquecimento e tingem a sua marca indelével na memória dos que virão, formatando assim um novo tipo de imortalidade, mais duradoura e inebriante.
Trazendo para meu universo, como afirmei, sempre gostei de Aquiles, por de alguma forma me enquadrar em seu arquétipo. Desde muito cedo sempre me senti um apátrida. Sem lar, sem direção, sem nacionalidade. Tinha a certeza de que não viveria muito tempo e queria sempre encontrar uma explicação para o fundamento de certas assertivas da qual insistiam em me catequisar. Por diversas épocas, sentia que tinha algo a realizar “aqui na terra”, só nunca soube o que era exatamente. Nunca gostei, portanto, de ter uma vida comum. Nunca fui um aluno, um jogador, um músico, um filósofo ou amante comum. O óbvio, o que tem respostas prontas, os caminhos já trilhados, nada disso se fez presente e inexorável em minha vida. Sempre optei por caminhos alternativos e por pontes e areias movediças, mas que ao final me traziam, senão o lugar, ao menos a certeza de que o caminho mais uma vez se bifurcou – e que maravilha e densidade seriam trilhar novamente o desconhecido em busca de algo que reclama a sua existência numa fagulha de expectativas.
Sinto que a minha existência deve servir para algo mais do que simplesmente envelhecer sentado a uma cadeira recordando aquilo que não vivi. Sinto que preciso mudar algo que não seja aquilo que todo mundo quer mudar: os outros. Vejo minha vida e creio que preciso romper barreiras, dogmas cristalizados e complexos difusos. Só assim, serei capaz de transcender uma vida comum, apagada, e colocar a minha existência no rol digno dos quadros que precisam ser lembrados pela posteridade, seja para deleite ou para escárnio.

Att.
Diego A.

Um comentário:

  1. Estou impressionado com a semelhanca no seu modo de atribuir meu mito Aquiles nesta visao atual da minha e da sua vida..perfeita sua visao,li os outros artigos e somos muito parecidos.Parabens diego.

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