terça-feira, 28 de dezembro de 2010

"E quando vi, eu já era dois" (parte 1)


Venho visitando pouco os amigos... Na verdade, descobri que me restaram um número muito pequeno deles. Um destes está fazendo doutorado na Espanha, o outro, também, só que na Unicamp. Sobraram-me outros três bem próximos e nos encontramos com certa regularidade em mesas de jogos ou no Kwon. Fora isso, venho nutrindo uma amizade legal com colegas de profissão. Poucos, diga-se de passagem, também. Um deles, por coincidência, também está na Espanha a turismo e os outros, viajando pelo norte do Brasil. O que há de comum nisso tudo? Simples – ou tétrico – todos os meus atuais amigos estão longe de mim e mesmo os que estão perto, compartilham de uma não-vida: a virtualidade; ou de uma vida distante do cotidiano: a marcial. Tudo bem, o Kwon me oferece uma gama de “irmãos de treino” que não tenho que reclamar: são atenciosos, hilários, nerds. Possuímos diversas afinidades culturais e que rendem boas conversas (e risadas) pós-treino. Há também casais de amigos muito valorosos, de ótima companhia espiritual e gastronômica. Mas ainda assim falta algo...
Dias atrás reencontrei um velho amigo, daqueles que você se vê precipitado ao contato em tenra infância. Passamos por muitas coisas juntos no início da adolescência, embora nunca tenhamos sido grandes confidentes. Compartilhei com este amigo as primeiras lisergias, os primeiros discos de rock, as primeiras tatuagens, os primeiros vestibulares, as primeiras decepções amorosas... Numa época em que pensei que ia partir dessa para uma pior – e que ele iria junto acendendo o pavio – descobrimos caminhos espirituais distintos, mas necessários em nossa “regeneração”. A partir de então, nos afastamos um pouco. Logo ele se casou e foi ter uma vida mais reservada. A vida seguiu... Mas vez ou outra nos encontrávamos ainda nos corredores da UFG e conversávamos sobre poucas e boas coisas. A vida seguia para mim também...
 Reencontrando esse amigo recentemente, numa confraternização de escolas, me veio um pensamento/questionamento: por qual razão não conseguimos sustentar as mais velhas amizades quando elas são as que mais profundamente nos constituíram? Penso que, geralmente, quando tais amizades começam desde a infância e atravessam a adolescência elas estão sujeitas às intempéries dos hormônios e das mudanças de personalidade. Por diversas vezes ofendi amigos, proferi impropérios, rompi temporariamente relações por mero capricho, crise e inconstância – e olha que nem tenho TPM. Penso que todo adolescente já deve ter findado diversas relações por crises meramente hormonais; devem ser por isso que se arrependem e sofrem muito mais do que qualquer adulto em fim de relação.
Em outra via, existe também um agravante com amizades que florescem cedo: a cultura é uma coisa dinâmica. Refiro aqui a cultura como um conjunto de crenças, valores, costumes e tradições que constitui a identificação de um sujeito histórico-social. A cultura individual sofre transformações e redimensionamentos a vida inteira, mas são em duas fases que penso eu, ela mais se cristaliza: 1) na infância – com a “(des)educação da família”; 2) na adolescência – com a “(des)educação social”. Na primeira fase as amizades que surgem são reflexos da identidade que se construiu. Na verdade, não há nada muito complexo em termos culturais, por isso as companhias afloram. Na segunda fase, começam a afunilar o circulo de amizades. Tais são orientadas por predileções, gostos estéticos, juízos de um mundo paralelo, expectativas de um porvir caricato. E é aqui que começam os problemas (ou não). Com o tempo, estes mesmos gostos que outrora unificaram simpatias, agora se reestruturam e buscam alçar outros voos gustativos e existenciais. E nisso, há rupturas. E em todas elas, o seu efeito brusco promove cortes, ardências e dores.
É fato, não sei se é da natureza (condição) humana ou se é parte da cultura judaico-cristã que estamos inseridos que faz com que não sejamos capazes de aceitar a diferença. O outro é sempre o errado, o indigesto, o herege. Nossas tendências são sempre justificadas, castas de intenções e nobres de projeções. Quando as amizades começam a se efemerizarem – e nem digo por brigas, traições, etc – é por que estas já não encontram mais o calor da afinidade promovida pelo compartilhamento de tendências e experiências. Amizade sincera e madura é algo raro e poucos de nós somos capazes de sustentá-las.  Nós estamos sempre em mudança, mas não podemos aceitar que outros mudem. Compreensível, pois mudanças geram rupturas e a zona de segurança que mantém uma amizade não pode ser atravessada sem percalços. Somos egoístas, enfim, e muitas amizades nada mais são do que duplicações do egoísmo: um “ambi-egoismo” – se é que isso exista.
Nesse trajeto de vida, perdi muitas amizades. Algumas delas (muitas) me sinto diretamente responsável pelo seu fim. Fui intransigente, relapso, distante. Em outras, fui próximo demais, atencioso ao extremo e acabei me anulando. Em todas elas cometi erros que redundaram em um afastamento que só vim perceber seus efeitos danosos tempos depois, bem como suas causas. Por outro lado, muitas amizades se foram por “culpa” não necessariamente minha. Sempre tive um imã para atrair pessoas com sérios problemas emocionais (não mais ou menos do que eu). Muitas dessas exigiam de mim algo além do que poderia oferecer. Queriam que eu representasse a cura para os seus males – que se caracterizavam por uma dose diária de exclusividade e elogios. Algumas dessas amizades eu sinto muita falta. Outras merecem de fato estarem no meridiano atual que se encontram...
Como disse no inicio, me falta algo. Sempre me sinto um apátrida ou um Aquiles tentando provar para mim mesmo que a vida realmente vale a pena e que há um propósito para a sua execução. Não sou depressivo, muito menos maníaco suicida, mas sempre questiono o sentido da existência. Dizem que o vazio existêncial é a ausência de Deus em nossas vidas. Que desde a aludida e metafórica queda do homem, o seu distanciamento se apresenta como angustia profunda por esse retorno. A teoria das almas gêmeas seria na verdade, uma metáfora para a nossa re-conexão necessária com a divindade. Por isso que sempre nos sentimos incompletos nas relações socais, sendo a paixão apenas um anestésico para refrear a nossa crise espiritual... Então as vezes, acho que tenho saudade de Deus!
Mas não me entendam mal. Encontro-me hoje bastante satisfeito com as amizades que cultivo e com o amor que compartilho entre os que me são caros. Com o tempo, aprendi a respeitar mais o momento de cada um – embora eles entendam como afastamento ou não afetividade. Sobraram-me amigos valorosos que, dependendo do contexto, posso sempre contar com um ou outro. Aprendi que o grande equivoco é buscar a integralidade da cumplicidade. Ninguém pode me entender completamente, assim como não posso entender completamente os outros. Tenho minhas crises e somente a mim competem a sua resolução, assim como os outros têm as suas e competem a eles a administração. Pode parecer muito frio de minha parte, mas vejo as amizades nessa relação de custo benefício: elas servem para partilhar momentos felizes ao nosso lado e nos escutar quando precisamos não de resolução, mas apenas de atenção. O resto compete somente a nós, seja em cuidarmos de nossa carência, de nossa solidão, ou de gerirmos o nosso afastamento de Deus.

Att.
Diego A.

2 comentários:

  1. Também me sinto às vezes culpada por alguns afastamentos de alguns amigos. Atualmente, acho que tento ser melhor como amiga, já que ser atenciosa não é meu forte. Adoro seus texto, amor!

    ResponderExcluir
  2. Caro sihing, como ouvi em um discurso de graduação certa vez:

    "Ser 'esperto' é fácil. É um talento com o qual você nasceu. Não convém orgulhar-se de ser 'esperto'. Ser gentil com os outros é muito mais difícil e exige verdadeiro trabalho árduo. É digno de orgulho"

    Não foi exatamente isto mas era algo parecido... meu inglês é falho :)

    Os textos continuam muito bons.

    Abraço

    ResponderExcluir