sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

O mundo tem a cor dos nossos olhos


Aprendi que quase tudo na vida é uma questão de perspectiva. Escolhemos olhar para o mundo que nos rodeia e inferir as conclusões que queremos. Realidade, fato, verdade muitas vezes se transmutam em mera retórica, em mero discurso.

O mundo tem a cor dos nossos olhos... Escolhemos, diuturnamente, o que queremos ver, o que queremos interpretar, o que queremos assumir como verdade. Pode ser um programa televisivo, uma música, uma palestra, um início/término de uma relação afetiva, escolhemos aquilo que nos apetece e inferimos "verdades" apartir do que queremos crer enquanto tal.

Sim, o mundo tem sérios problemas: fome, miséria, desigualdade social, violência, etc. Se olharmos o panaroma político, vamos encontrar corrupção, desvio de verbas, lavagem de dinheiro. Se vislumbramos o panorama religioso, vamos encontrar intolerância, fanatismo, pretensões tolas de verdade. Vivendo do campo, somos varridos pela pá do progresso que avança incontrolávelmente natureza adentro. Vivendo nas metrópolis, somos invadidos pela fumaça da poluição, pelo trânsito caótico, pelo ritmo frenético imposto pela sociedade/economia contemporânea. Para além disso, temos ainda a sensação de que o mundo está cada vez pior, em contrapartida às comodidades que a tecnologia e as "seguranças" que a ciência nos trás. As relações interpessoais se mostram, aparentemente, mais turvas ainda. Os casamentos se diluem cada vez mais rápido; temos mais relações profissionais do que meramente pessoais; nos desconectamos daquele paradigma tradicional de familia reunida para eventos de integração afetiva; vemos filhos cada vez mais ingratos e rebeldes quanto ao que, independentemente das transformações culturais, são importantes para a formação de seu caráter e que muitos pais ainda tentam em lhes repassar, etc. A educação escolar se mostra a cada dia mais tecnicista e menos reflexiva, mais mercadológica e menos transformadora. Enfim, o mundo está com vários problemas!

Por outro lado, a despeito de todas essas questões, vemos pessoas se mobilizando incansávelmente para construção de um mundo melhor:


  • Há grupos que ainda se arregimentam em torno de ideiais, combatendo a corrupção, criando alternativas de sustentabilidade, se não erradicando, ao menos aplacando a fome de muitos através de ações voluntárias, etc. 
  • Se há ainda a intransigência religiosa, por outro lado vemos verdadeiros humanistas que colocam Deus como algo acima de nossas mesquinharias e pretensões de saber espiritual, dando as mãos em prol de um diálogo inter-religioso. 
  • Embora respiremos o ar denso de uma grande cidade, ainda há belos parques, jardins e matas fechadas, na mesma medida que vemos pessoas ocupadas com o meio-ambiente, sejam em ações diretas ou meramente conscientizadas acerca de seu papel na preservação deste mundo. 
  • Se por um lado o "progresso" redesenha a nossa paisagem natural e a tecnologia parece distanciar as pessoas, vemos esta mesmo salvando vidas, curando doenças e oferecendo comodidade, acelerando a comunicação, democratizando conhecimento, etc. 
  • Temos ainda a sensação de que as relações, sobretudo maritais, estão mais fragilizadas, daí se justificar o número de divórcios. No entanto, o que se verifica é que há hoje mais casamentos conscientes, já que não há mais uma tamanha pressão social para isto; As uniões se diluem muitas vezes, não por falta de respeito, mas em muitos casos até por respeito demais, por não querer ver o companheiro sofrer e por querer se valorizar também. Se escuta hoje mais a voz do coração, muito mais do que da tradição. As mulheres estão mais independentes, não se vendo mais presas a meras relações formais. Isso, em certa medida, é uma conquista de nossa época: nos relacionamos quando vemos sentido nisso, não porque temos que dar justificativas sociais.
  •  A educação, embora destituída muitas vezes de seu real sentido e significado, dá sinais de melhoria lenta. Multiplicamos consideravelmente o número de mestres e doutores, assim como de instituições de ensino voltadas, também, para a pesquisa e a extensão. Isso significa que aos poucos, estamos formando mais cientistas e intelectuais, produzindo ciência, tecnologia e conhecimento de modo geral. O nível de analfabetismo diminui consideravelmente e o mercado editorial também, a despeito dos títulos lançados, cresceu significativamente nos últimos anos - o que significa que se lê mais, pelo menos. 

Enfim, o mundo tem a cor dos nossos olhos. Enxergar a sua beleza não significa não identificar os problemas que há. Muita coisa precisa ser feita, muitas miopias espirituais precisam ser corrigidas com as lentes do bom senso; é necessário um debate acerca dos limites do "progresso" assim como de uma reconsideração cultural acerca de vários tabus e crenças sociais que insistem em tratar o que é natural como pecaminoso ou meramente errado. Contudo, isso não deve nos impedir - antes nos motivar - a procurar um mundo melhor: isso significa que temos que primeiramente acreditar que isso é possível, acreditar que as pessoas são boas até que nos provem irretorquivelmente que elas não prestem. Devemos aprender a sermos mais tolerantes, pacientes, entendendo que o "diferente" não necessariamente é o errado; que aquele que pensa opostamente a nós não se trata de um herege que merece ser queimado na fogueira da insensatez. Na mesma medida, temos que aprender a sermos mais coerentes com nossos sentimentos, firmes com nossos ideais, desenvolvendo a capacidade de amar, perdoar e solucionar quaiquer conflitos tomando primeiramente o diálogo como ferramenta.

Tudo isso não significa sermos frágeis, covardes, "Polianas", (sobre)viventes num mundo paralelo e colorido. Ao contrário, somos enfermos quando acreditamos que nada tem conserto, que a vida é somente sofrimento, que as pessoas sempre querem o nosso mal, ou quando nos amaldiçoamos a viver só, com o medo de que a felicidade não nos pertence. Aqui vale uma ressalva clínica: quantas pessoas que "escolhem" perdoar, resolver as lides com base no diálogo e no respeito, que escolhem ter hábitos mais naturais, que acreditam no poder transformador da ação no bem estão neste momento adoecidas? Não estou dizendo que todas as pessoas enfermas são intolerantes, intransigentes ou amarguradas, mas por outro lado, quantas vezes em crises de ansiedade, em rompantes de fúria, em cultivo de pensamentos pessimistas, logo mais nos adoecemos? Quantas gastrites, queimações, náuseas dores musculares angariamos após uma discussão, um término traumático de relacionamento, um briga de trânsito, etc? Por isso que, nem que seja por uma mera questão de saúde, enxergar o mundo e vivê-lo como quem se encontra um purgatório capitalista não me parece a melhor opção. Ao contrário, mesmo reconhecendo as dificuldades do mundo, reconhecendo as suas próprias limitações, trabalhar para que o hoje seja melhor do que o ontem, se esforçar para perdoar a acreditar nas pessoas torna-se o melhor "negócio" para quem quer, ao menos, não depender de nenhum sistema de saúde público ou privado por um longo tempo.

O mundo tem a cor dos nossos olhos. Com quais cores queremos, saudavelmente, enxergá-lo?

Att.
Diego A.